domingo, 22 de abril de 2012

Trovadorismo

 

                                 Trovadorismo
Designa-se por Trovadorismo o período que engloba a produção literária de Portugal durante seus primeiros séculos de existência (séc. XII ao XV). No âmbito da poesia, a tônica são mesmo as Cantigas em suas modalidades; enquanto a prosa apresenta as Novelas de Cavalaria.
Contexto Histórico
Momento final da Idade Média na Península Ibérica, onde a cultura apresenta a religiosidade como elemento marcante.
A vida do homem medieval é totalmente norteada pelos valores religiosos e para a salvação da alma. O maior temor humano era a ideia do inferno que torna o ser medieval submisso à Igreja e seus representantes.
São comuns procissões, romarias, construção de templos religiosos, missas etc. A arte reflete, então, esse sentimento religioso em que tudo gira em torno de Deus. Por isso, essa época é chamada de Teocêntrica.
As relações sociais estão baseadas também na submissão aos senhores feudais. Estes eram os detentores da posse da terra, habitavam castelos e exerciam o poder absoluto sobre seus servos ou vassalos. Há bastante distanciamento entre as classes sociais, marcando bem a superioridade de uma sobre a outra.
O marco inicial do Trovadorismo data da primeira cantiga feita por Paio Soares Taveirós, provavelmente em 1198, intitulada Cantiga da Ribeirinha.
Características
A poesia desta época compõe-se basicamente de cantigas, geralmente com acompanhamento de instrumentos (alaúde, flauta, viola, gaita etc.). Quem escrevia e cantava essas poesias musicadas eram os jograis e os trovadores. Estes últimos deram origem ao nome deste estilo de época português.
Mais tarde, as cantigas foram compiladas em Cancioneiros. Os mais importantes Cancioneiros desta época são o da Ajuda, o da Biblioteca Nacional e o da Vaticana
Os trovadores de maior destaque na lírica galego-portuguesa são: Dom Duarte, Dom Dinis, Paio Soares de Taveirós, João Garcia de Guilhade, Aires Nunes e Meendinho.
As cantigas eram cantadas no idioma galego-português e dividem-se em dois tipos: líricas (de amor e de amigo) e satíricas (de escárnio e mal-dizer).
Do ponto de vista literário, as cantigas líricas apresentam maior potencial pois formam a base da poesia lírica portuguesa e até brasileira. Já as cantigas satíricas, geralmente, tratavam de personalidades da época, numa linguagem popular e muitas vezes obscena.

Cantigas de amor, de amigo e de escárnio e maldizer


A experiência mais criativa e fecunda do Trovadorismo - e, portanto, dos primórdios da literatura portuguesa - encontra-se na poesia trovadoresca. De um lirismo estranho, quando comparados, por exemplo, à poesia moderna, os poemas dos trovadores podem parecer ultrapassados àqueles que fizerem uma leitura desatenta, superficial.

Massaud Moisés diz bem quando salienta que a poesia trovadoresca "exige do leitor de nossos dias um esforço de adaptação e um conhecimento adequado das condições históricas em que a mesma se desenvolveu, sob pena de tornar-se insensível à beleza e à pureza natural que marcam essa poesia".

Para conhecer as origens da lírica trovadoresca, devemos recordar que, a partir do século 11, e durante todo o século 12, a região da Provença, no sul da França, produziu trovadores e jograis que acabaram se espalhando por vários países da Europa. A influência da poesia provençal chega, inclusive, aos nossos dias. Esses provençais se misturariam aos jograis e menestréis galego-portugueses, dando origem às cantigas que veremos a seguir.

É também da Provença que vem o substantivo "trovador", pois lá o poeta era chamado "troubadour" (enquanto que, no norte da França, recebia o nome de "trouvère"). Nos dois casos, o radical da palavra é o mesmo, referindo-se a "trouver", ou seja, "achar". Os poetas eram aqueles que "achavam" os versos, adequando-os às melodias e formando os cantares ou cantigas.

Para fins didáticos, divide-se a lírica trovadoresca em:

1. Cantigas de amor: o trovador confessa, de maneira dolorosa, a sua angústia, nascida do amor que não encontra receptividade. O "eu lírico" desses poemas se revela, às vezes, na forma de um apelo repetitivo, no qual não há erotismo, mas amor transcendente, idealizado. Como exemplo, vejamos esta cantiga de Pero Garcia Burgalês:
Ai eu coitad! E por que vi
a dona que por meu mal vi!
Ca Deus lo sabe, poila vi,
nunca já mais prazer ar vi;
ca de quantas donas eu vi,
tam bõa dona nunca vi.

Tam comprida de todo bem,
per boa fé, esto sei bem,
se Nostro Senhor me dê bem
dela! Que eu quero gram bem,
per boa fé, nom por meu bem!
Ca pero que lh’eu quero bem,
non sabe ca lhe quero bem.

Ca lho nego pola veer,
pero nona posso veer!
Mais Deus, que mi a fezo veer,
rogu’eu que mi a faça veer;
e se mi a non fazer veer.
Sei bem que non posso veer
prazer nunca sem a veer.

Ca lhe quero melhor ca mim,
pero non o sabe per mim,
a que eu vi por mal de mi[m].

Nem outre já, mentr’ eu o sem
houver; mais s perder o sem,
dire[i]-o com mingua de sem;

Ca vedes que ouço dizer
que mingua de sem faz dizer
a home o que non quer dizer!

2. Cantigas de amigo: o trovador apresenta o outro lado da relação amorosa, isto é, assume um novo "eu lírico": o da mulher que, humilde e ingênua, canta, por exemplo, o desgosto de amar e, depois, ser abandonada; ou o da mulher que se apaixonou e fala à natureza, à si mesma ou a outrem sobre sua tristeza, seu ideal amoroso ou, ainda, sobre os impedimentos de ver seu amado. No exemplo a seguir, do trovador Julião Bolseiro, o diálogo se estabelece entre a mulher apaixonada e sua filha, que impede a mãe de ver seu amado:
Mal me tragedes, ai filha,
porque quer ‘ aver amigo
e pois eu com vosso medo
non o ei, nen é comigo,
no ajade-la mia graça
e dê-vos Deus, ai mia filha,
filha que vos assi faça,
filha que vos assi faça.

Sabedes ca sen amigo
nunca foi molher viçosa,
e, porque mi-o non leixades
ver, mia filha fremosa,
no ajade-la mia graça
e dê-vos Deus, ai mia filha,
filha que vos assi faça,
filha que vos assi faça.
Pois eu non ei meu amigo,
non ei ren do que desejo,
mais, pois que mi por vós v~eo
Mia filha, que o non vejo,
no ajade-la mia graça
e dê-vos Deus, ai mia filha,
filha que vos assi faça,
filha que vos assi faça.

Por vós perdi meu amigo,
por que gran coita padesco,
e, pois que mi-o vós tolhestes
e melhor ca vós paresco
no ajade-la mia graça
e dê-vos Deus, ai mia filha,
filha que vos assi faça,
filha que vos assi faça.

Como salienta Massaud Moisés, analisando essa dualidade amorosa do trovador, "é digna de nota essa ambiguidade, ou essa capacidade de projetar-se na interlocutora do episódio e exprimir-lhe o sentimento: extremamente original como psicologia literária ou das relações humanas, não existia antes do trovadorismo, e nem jamais se repetiu depois".

3. Cantigas de escárnio e de maldizer: são poemas satíricos. Nas de escárnio, ressaltam-se a ironia e o sarcasmo. Já as de maldizer são agressivas, abertamente eróticas, a sátira é expressa de forma direta, sem meias palavras, chegando a usar termos chulos. Escritas, às vezes, pelos mesmos autores das cantigas de amor e de amigo, revelam um terceiro "eu lírico", cuja licenciosidade se aproxima da vida das camadas sociais mais populares. Como exemplo, vejamos esta cantiga de maldizer de Afonso Eanes de Coton:
Marinha, o teu folgar
tenho eu por desacertado,
e ando maravilhado
de te não ver rebentar;
pois tapo com esta minha
boca, a tua boca, Marinha;
e com este nariz meu,
tapo eu, Marinha, o teu;
com as mãos tapo as orelhas,
os olhos e as sobrancelhas,
tapo-te ao primeiro sono;
com a minha piça o teu cono;
e como o não faz nenhum,
com os colhões te tapo o cu.
E não rebentas, Marinha?

Não podemos esquecer que todas essas cantigas eram musicadas. Os trovadores as cantavam, acompanhados de um ou vários instrumentos musicais. E, em algumas situações, elas podiam, inclusive, ser dançadas.

Infelizmente, muitas dessas cantigas acabaram desaparecendo, já que eram transmitidas também por via oral. Alguns manuscritos, contudo, foram compilados em obras a que damos o nome de "cancioneiros", quase sempre graças às ordens dos reis. Assim, as cantigas hoje existentes podem ser encontradas em três cancioneiros:

a) Cancioneiro da Ajuda (composto no reinado de Afonso 3º, no final do século 13, tem 310 cantigas, a maioria de amor;

b) Cancioneiro da Biblioteca Nacional (ou Cancioneiro Colocci-Brancuti): contem 1.647 cantigas, de todos os tipos, elaboradas por trovadores dos reinados de Afonso 3º e dom Dinis.

c) Cancioneiro da Vaticana: possui 1.205 cantigas de todos os tipos.

Entre os principais trovadores, devemos citar: João Soares Paiva, Paio Soares de Taveirós, dom Dinis (que deixou cerca de 140 cantigas líricas e satíricas), João Garcia de Guilhade e Martim Codax.


Trovadorismo
(1189/1198)
INÍCIO: Canção da Ribeirinha - Paio Soares de Taveirós
TÉRMINO: Fernão Lopes é eleito cronista-mor da torre do Tombo

Painel de Época

  • Cristianismo
  • Cruzadas rumo ao Oriente
  • Luta contra os mouros
  • Teocentrismo: poder espiritual  e cultural da Igreja
  • Feudalismo
  • Monopólio clerical

Cantigas Líricas

Cantigas Líricas
Cantigas Líricas

Cantigas de Amor

  • Amor do trovador pela mulher amada.
  • Mulher idealizada.
  • Contemplação platônica.
  • Uso de “meu senhor”.
  • Sofrimento por amor.
  • Vassalagem amorosa.
  • Amor cortês.
  • Estribrilho ou refrão.
Quer’eu em maneira de proença!
      fazer agora um cantar d’amor
      e querrei muit’i loar lmia senhor
      a que prez nem fremosura nom fal,
      nem bondade; e mais vos direi ém:
      tanto a fez Deus comprida de bem
      que mais que todas las do mundo val.
      Ca mia senhor quizo Deus fazer tal,
      quando a faz, que a fez sabedord
      e todo bem e de mui gram valor,
      e com tod’est[o] é mui comunal
      ali u deve; er deu-lhi bom sém,
      e desi nom lhi fez pouco de bem
      quando nom quis lh’outra
      foss’igual
      Ca mia senhor nunca Deus pôs mal,
      mais pôs i prez e beldad’e loor
      e falar mui bem, e riir melhor
      que outra molher; desi é leal
      muit’, e por esto nom sei oj’eu quem
      possa compridamente no seu bem
      falar, ca nom á, tra-lo seu bem, al.
(D. Dinis )

Tradução

Quero à moda provençal
      fazer agora um cantar de amor,
      e quererei muito aí louvar minha senhora
      a quem honra nem formosura não faltam
      nem bondade; e mais vos direi sobre ela:
      Deus a fez tão cheia de qualidades
      que ela mais que todas do mundo.
      Pois Deus quis fazer minha senhora de tal modo
      quando a fez, que a fez conhecedora de
     todo bem e de muito grande valor,
      e além de tudo isto é muito sociável
      quando deve; também deu-lhe bom senso,
      e desde então lhe fez pouco bem
      impedindo que nenhuma outra fosse igual a ela
      Porque em minha senhora nunca Deus pôs mal,
      mas pôs nela honra e beleza e mérito
      e capacidade de falar bem, e de rir melhor
      que outra mulher também é muito leal
      e por isto não sei hoje quem
      possa cabalmente falar no seu próprio bem
      pois não há outro bem, para além do seu.

Explicação

Voz lírica masculina: “Pois Deus quis fazer minha senhora de tal modo”
Tratamento dando à mulher: mia senhor.
Idealização da mulher: “a quem honra nem formosura não faltam ”
Submissão excessiva amorosa
No texto, temos um típico exemplo do amor cortês, com o trovador confessando o seu amor pela mulher, assumindo-a como superior a ele.

Cantigas Satíricas

Cantigas Satíricas
Cantigas Satíricas

Cantigas de Escárnio

  • Referências indiretas
  • Ironia
  • Ambigüidade (vocabulário de duplo sentido)
  • Não se revela o nome da pessoa satirizada
Ai, dona fea, fostes-vos queixar
      que vos nunca louv[o] em meu cantar;
      mais ora quero fazer um cantar
      em que vos loarei toda via;
      e vedes como vos quero loar:
      dona fea, velha e sandia!
      Dona fea, se Deus mi pardom,
      pois avedes [a]tam gram coraçom
      que vos eu loe, em esta razom
      vos quero ja loar toda via;
      e vedes qual sera a loaçom:
      dona fea, velha e sandia!
      Dona fea, nunca vos eu loei
      em meu trobar, pero muito trobei;
      mais ora ja um bom cantrar farei,
      em que vos loarei toda via;
      e direi-vos como vos loarei:
      dona fea, velha e sandia!
(Joan Garcia de Guilhade )

Tradução

Ai, dona feia, foste-vos queixar
      que nunca vos louvo em meu cantar;
      mas agora quero fazer um cantar
      em que vos louvares de qualquer modo;
      e vede como quero vos louvar
      dona feia, velha e maluca!
      Dona feia, que Deus me perdoe,
      pois tendes tão grande desejo
      de que eu vos louve, por este motivo
      quero vos louvar já de qualquer modo;
      e vede qual será a louvação:
      dona feia, velha e maluca!
      Dona feia, eu nunca vos louvei
      em meu trovar, embora tenha trovado muito;
      mas agora já farei um bom cantar;
      em que vos louvarei de qualquer modo;
      e vos direi como vos louvarei:
      dona feia, velha e maluca!

Explicação

Indiretas: “Ai dona fea! foste-vos queixar”
Uso da ironia e do equívoco: “mais ora quero fazer um cantar em que vos loarei toda via;”
No escárnio anterior, o autor promete falar em sua poesia de uma mulher que reclamou dele por nunca tê-la citado ou elogiado numa de suas cantigas. Mas, visivelmente irritado com isso, ele a chama de feia, velha e louca.

Cantigas de Maldizer

  • Sátira direta.
  • Maledicência.
  • Uso de palavras obscenas ou de conteúdo erótico.
  • Citação nominal da pessoa satirizada.
Marinha, o teu folgar tenho eu por desacertado,
      e ando maravilhado
      de te não ver rebentar;
      pois tapo com esta minha
      boca, a tua boca, Marinha;
      e com este nariz meu,
      tapo eu, Marinha, o teu;
      com as mãos tapo as orelhas, os olhos e as sobrancelhas,
      tapo-te ao primeiro sono;
      com a minha piça o teu cono;
      e como o não faz nenhum,
      com os colhões te tapo o cu.
      E não rebentas, Marinha?
(Afonso Eanes de Coton)

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